Ao longo da história sempre existiram homens e mulheres que fugiram da
superficialidade das respostas fáceis e buscaram na reflexão profunda, respostas
para muitos questionamentos. Foram capazes de olhar para o mundo, para si
mesmas, para as pessoas de um jeito diferente tentando descobrir o essencial. Formamos
um único organismo e o que toca o outro, me toca sempre. Clarice Lispector dizia: “Eu escrevo como se fosse para salvar a
vida de alguém, provavelmente a minha própria vida”.
Durkheim, citando Weber, fala de um ser humano que se sente num mundo
“desencantado”, onde o individualismo chegou ao extremo. Devemos ter cuidado
com isso, pois é o desmoronamento da capacidade de vida coletiva que gera a
crise ética. Isso ocorre quando não há concordância entre os seres humanos,
visto que a expressão ‘cum cor’ é
colocar o coração junto.
Para compreendermos melhor o significado dessa expressão, relembrarei
uma historinha que se aplica bem a este conceito de concordar, ou seja ‘colocar
o próprio coração junto ao coração do outro’.
Um dia um Mestre
perguntou aos seus discípulos:
“Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas? Os
discípulos pensaram por alguns momentos e responderam: “Porque perdem a calma, porque se irritam”.“Mas, por que gritar quando a
outra pessoa está ao seu lado, próxima a você? Não é possível falar-lhe em voz
baixa?” – continuou o mestre.
Os discípulos justificaram-se respondendo que, às
vezes, as pessoas ficam impacientes, ou porque não se fazem entender, ou porque
estão incomodadas com algo, e então gritam para ver se o outro a compreende.
Vendo que eles não chegavam ao âmago da questão, o mestre lhes explicou:
“As pessoas
gritam porque quando elas estão aborrecidas, seus corações se afastam. E para
cobrir esta distância precisam gritar para uma escutar a outra. Quanto mais
aborrecidas estiverem, mais alto e forte têm de gritar para serem ouvidas”.
Para fazer-se entender ainda mais, o mestre continuou: “O que
sucede quando duas pessoas se enamoram? Elas não gritam, falam suavemente. Por
quê? Porque os seus corações estão muito perto. A distância entre eles é
pequena. Quanto mais se amam, muitas vezes não precisam nem falar, somente
sussurram e ficam mais perto ainda do seu amor. Finalmente, com o amor maduro,
seus corações estão unidos, como se fossem um só, e então não necessitam sequer
sussurrar, somente se olham e sabem tudo o que se passa dentro do outro”.
“Por isso, quando discutirem, não deixem que os seus corações se
afastem, não digam palavras duras e cruéis que os distanciem ainda mais, pois
senão chegará o dia em que a distância será tanta que vocês não encontrarão
mais o caminho de volta”.
Muitas vezes, nossa sociedade
busca esta distância. A violência segrega os seres humanos, rompendo os laços
afetivos, criando o medo entre iguais, aumentando as diferenças, atiçando os
nossos instintos mais selvagens, gerando a competição, distanciando-nos da
transcendência, da busca pelo sublime. Ceder a estes instintos é fácil, pois
são sensações primárias. E se a violência for glorificada, a decorrência será a
falta de sentido de vida ou ela mesma, a violência, tornar-se-á o sentido. A
falta de sentido levará à incivilidade e à violência e os corações não mais se
encontrarão em gestos de fraternidade e humanidade. Não permitamos a distância!
Ir. Deuceli
Kwiatkowski
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